Alguém abre a porta. Passos lentos, sobre o piso de madeira, são ouvidos. Pelo barulho, percebe-se que alguém caminha em direção a recepção da velha clínica situada à Rua Thomas Mann. É uma tarde de outono. No auge da 2ª Guerra Mundial, o clima está frio e as pessoas cinzentas. Um senhor se aproxima. Direciona seu olhar sereno à moça sorridente, de boa aparência, que está sentada logo atrás de um balcão de mármore negro.
- Boa tarde senhorita. Tenho uma consulta marcada para esta tarde. Devo aguardar aqui?
- Boa tarde, senhor. Não será necessário que o senhor aguarde por muito tempo. O atendimento deverá ser em poucos instantes. Aguarde um momento que eu irei lhe chamar.
A moça levanta e vai até a segunda porta localizada no corredor da clínica. Repentinamente pára e olha rapidamente para a placa com letras garrafais pendurada na porta que traz a informação de que ali está um dos melhores médicos especialistas na psique humana daquela época. Ela gira a maçaneta da velha porta, delicadamente, e entra na enorme sala.
- Dr. Freud. O paciente o aguarda.
- Mande-o entrar, por favor. Já estou pronto para atendê-lo.
A moça vai até a recepção e pede para que o velho ilustre senhor se dirija até a sala.
Ao entrar, o homem de estatura mediana, olhos faiscantes e de sorriso frio se depara com uma enorme sala arrodeada de livros, uma cadeira solitária e um sofá velho. A sala possuía um cheiro característico de um lugar há muito tempo desabitado. Mas, quase não se via poeira.
- Boa tarde Sr. Hitler. O que o traz a este divã?
- Boa tarde Dr. Freud. Soube que o senhor traz idéias inovadoras no campo da psicanálise e que tem os tais Id, Ego e Superego. Quem são eles? Seus auxiliares?
- Continue... (falou Freud)
- Talvez, eles possam trazer significativas contribuições para os meus ideais de mudar o mundo.
- Como assim? Pode ser mais objetivo?
- Como assim? Ora!? Preciso disseminar a idéia da raça ariana pura. Fazer o mundo conhecer os 25 pontos-chaves do partido Nazista. Destruir os judeus. Pregar o ódio e queimar todas as raças inferiores. Fazer com que o mundo entenda que o 3º Reich é um império em ascensão que dominará o planeta. Quero difundir os ideais racistas, a eugenia, o totalitarismo, o anti-clericalismo para que todos entendam o meu poder. Que eu sou o Führer da Alemanha e de toda a Europa.
- Diga-me porque tanto ódio? Não entendo o motivo de tanto horror? Vejo que será necessário aplicar as técnicas de regressão com o senhor.
- Ódio? Não. É só o ressurgimento da nova Alemanha, que foi humilhada e arrasada na 1ª Grande Guerra, e, ainda, é uma resposta ao Tratado de Vesalhes.
- E o que mais, além de todas essas atrocidades o senhor deseja para a humanidade? (retrucou Freud)
-Quero dominar o mundo. Já lhe disse. Mas, antes, preciso que o doutor me responda algumas perguntas.
- Espere um pouco. Sou eu quem pergunta: Quem é o doutor e o paciente aqui?
Hitler franze a testa, passa a mão sobre o pequeno bigode negro e em um tom arrogante pergunta:
- Qual a origem de sua família? Ouvi dizer que o senhor é de origem semita. Judeu asquenaze, oriundo da Europa Central. Isso é verdade?
- Vamos com calma. Isso é um julgamento? Ou uma consulta médica? Espere, preciso colocar ordem nas coisas aqui. Não sou judeu, tampouco asquenaze. Não considerarei isso. Mas, o seu questionamento anterior refere-se ao Id, Ego e Superego. Se continuarmos com essa conversa, além de uma regressão de vidas passadas, precisarei fazer uma correlação do complexo de Édipo com o senhor ou precisarei do auxílio espiritual do médium Chico Xavier também. Para o seu tipo de tratamento, recomendo uma mesa branca e se possível a presença do francês Hippolyte Rivail, mais conhecido com o pseudônimo de Allan Kardec, o senhor o conhece? Aceita cocaína?
- Cocaína?
- Sim. Uso-a como substância auxiliar no tratamento de histeria. Como um medicamento terapêutico.
- Não. Obrigado. (balançou a cabeça negativamente). Já tomei o meu Fenobarbital hoje.
- Bom. Dando continuidade... Necessito de uma investigação mais profunda sobre as suas origens e infância.
- Não entrarei em detalhes até que me fale das suas.
- Isso é uma brincadeira? Por acaso é um reality show? (disse Freud irritado). Estou começando a acreditar na insanidade do seu comportamento. Não duvido que o senhor seja capaz de cometer tantas atrocidades.
- Mas, ainda não fiz nada. O holocausto é apenas o começo do que realmente eu pretendo fazer com o resto da humanidade. Mas, fale-me sobre os seus assistentes. Estes que lhe renderam tantos progressos e credibilidade no mundo da psicanálise, os tais Id, Ego e Superego.
A conversa tomou toda à tarde. Todas as técnicas de oratória e comunicação de Hitler fizeram com que os papéis fossem invertidos. Agora, no divã, Freud. E Hitler, um mero gênio frustrado, tentava convencer o velho médico sobre a sua ideologia de dominar o mundo. De repente, a porta abre lentamente, outro paciente desavisado entra na sala e deixa o silêncio pairar.
- Boa tarde, é aqui que tem o famoso Dr. Freud? Procuro informações acerca de um senhor que foi chanceler da Alemanha e que agora é ditador. Aquele com ideais nacionalistas e totalitárias oriundas do fascismo. Ele poderia fazer parte da minha estratégia de acabar o mundo a começar pelos Estados Unidos da América.
- Por favor, Sr. Laden, retire-se da sala. Pois, ainda, não terminei a consulta aqui.