Se tivesse o passaporte certo,
era certo que eu saberia viver.
Eu ia para longe, eu ia desaparecer.
E só saberiam que me tornara uma burocrata errante,
a rainha dos salamaleques,
lá pelos lados da Nicarágua.
Quando eu acordasse,
não entenderia uma palavra da língua que gritavam das janelas.
Mandaria vir o corpo de sentinelas,
e me trancaria no ensaiado silêncio do gabinete.
Se eu ainda me lembrasse,
responderia qualquer coisa em português.
Em cada parada eu me reconstruiria,
Seria nova, imaculada, sem dívidas e com foto recém tirada.
Não estaria presa, exceto pelo saber estar sempre por um fio.
Amanhã lá, qualquer lugar menos aqui, e ainda em lugar nenhum.
Eu seria uma flecha lançada,
e não uma árvore em solo fértil.
Ninguém ia chorar minha partida.
Ninguém ia atender minha ligação a cobrar.
Meus filhos estudariam engenharia nuclear,
e solenemente ignorariam as fofocas e miudezas dos suburbanos;
eu os ensinaria a não perder tempo com a mediocridade.
Nessa outra vida, um pouco de desapego.
Uma casca,
Uma caixa,
Um truque.
Eu seria uma boneca russa.
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